A Origem do 8 de Março Dia Internacional da Mulher.
Estamos republicando o texto da camarada Anuaí Caproni que nos explica as origens dos atos alusivos ao 8 de março- Dia Internacional das Mulher e a importância dessa data para a classe trabalhadora.
Apesar de ser celebrado, hoje, oficialmente no mundo
todo, sendo inclusive data oficial reconhecida pela onu e por inúmeros países
do globo, são raríssimas as informações a respeito da origem da luta das
mulheres pelo 8 de março, não existindo nenhuma história organizada sobre os
fatos e discussões que levaram ao estabelecimento desta data como o dia internacional
de luta na consciência das mulheres.
O silêncio sobre a história de um dia tão comemorado e instrumento de campanhas
supostamente em defesa da mulher pelo mundo todo, chama a atenção dos espíritos
mais críticos e daqueles que lutam para resgatar a história do movimento
operário, das suas lutas e das suas grandes realizações. O 8 de março é
justamente mais uma destas grandes iniciativas da classe operária mundial que,
com a revolução russa de 1917, firmou-se como um instrumento de defesa
internacional das mulheres. Posteriormente o imperialismo adaptou-se à esta
conquista operária, procurando apagar suas origens revolucionárias, transformando
o 8 de março em mais um instrumento da democrática política do imperialismo de
ataque às mulheres, encoberta com os discursos e campanhas demagógicas sobre os
“direitos da mulher”.
O 8 de Março.
A data do 8 de março está ligada à luta das operárias têxteis de nova iorque.
foi uma das primeiras greves destas operárias têxteis novaiorquinas, no ano de
1857 que deu origem à data. Nesta greve as operárias permaneceram paradas
durante semanas, sendo brutalmente reprimidas pela polícia e perseguidas pelos
patrões em uma grande manifestação exatamente nesta data. Transformando-se num
símbolo de luta para as trabalhadoras e as socialistas norte-americanas. Esta
greve é comumente confundida com o trágico incêndio da fábrica de vestimentas
novaiorquina triangle em 1911 – em decorrência das péssimas condições de
trabalho – que matou mais de 100 operárias, acontecimento que ganhou tamanha
notoriedade, pela denúncia feita pelos socialistas, quando estas começaram a
realizar as primeiras manifestações para marcar o dia de luta das mulheres, que
se apresenta, para muitos, como a explicação para a extraordinária repercussão
trazida pela paralisação de 1857. Na realidade a greve das operárias têxteis,
no século passado, foi a primeira faísca da luta feminina que se transformaria
no início deste século num movimento internacional com manifestações de
centenas de milhares de mulheres reivindicando o fim da discriminação.
A importância da greve das operárias em 1857 refere-se ao fato de que o
movimento foi pioneiro ao levantar as reivindicações femininas em um momento em
que a entrada das mulheres no mercado de trabalho era ainda mais a exceção do
que a regra.
No início do século, em 1907, no dia 8 de março, uma comemoração desta greve
vai iniciar, nos EUA, um ciclo de mobilizações de massas de mulheres,
expressando o fenômeno mais geral da integração em massa das mulheres no
mercado de trabalho e a superexploração da sua mão-de-obra pelo capitalismo. Neste
ano as operárias e os socialistas de Nova Iorque vão convocar no dia 8 de
março, para lembrar a greve de 1857, uma grande “marcha da fome”, para
reivindicar a diminuição da jornada de trabalho para 10 horas, melhores
salários e condições de trabalho sendo brutalmente reprimidas pela polícia de Nova
Iorque. Em 1908, novamente no 8 de março, as mulheres vão sair às ruas para
comemorar as mobilizações de 1857 e de 1907. Neste momento, também, o partido
socialista norteamericano vai criar o comitê de mulheres pelo voto levantando
além das reivindicações econômicas como salários iguais para trabalhos iguais e
o fim do trabalho infantil, uma campanha política pelo sufrágio feminino.
Em 1909, novamente por iniciativa dos socialistas, o trabalho entre as mulheres
será ampliado com o importante êxito obtido com a realização do primeiro dia
nacional das mulheres, realizando manifestações em todo o país no último
domingo de fevereiro, repetindo estas comemorações todos os anos até 1913,
quando os movimentos adquirem o caráter de protesto contra a guerra que já se
apresentava como uma terrível ameaça. Já em 1910 com o crescimento do movimento
de mulheres, Lena Lewis, uma das principais representantes do movimento
feminista norte-americano vai declarar que não era uma época para celebrar
nada, mas um dia para antecipar as lutas que viriam quando “poderemos
eventualmente e para sempre erradicar o último vestígio do egotismo masculino e
seu desejo de dominar as mulheres”.
O dia Internacional da Mulher
A criação do dia internacional de luta da mulher é obra do II Congresso Internacional
das Mulheres Socialistas, realizado em 1910 na Dinamarca, por iniciativa das militantes
revolucionárias da II internacional. nesta conferência foi aprovada a proposta
feita por Clara Zetkin, responsável pela organização do trabalho de mulheres da
social democracia alemã e editora do jornal de mulheres do partido, igualdade.
Segundo ela era necessário estabelecer um dia como referência mundial de luta
para as mulheres na medida em que tanto na Europa como nos EUA os partidos
socialistas já vinham realizando manifestações com este caráter, reunindo
milhares de mulheres para lutar por reivindicações fundamentais como a redução
da jornada, o voto feminino etc.
A proposta do partido alemão era de que as comemorações realizassem-se no
domingo, seguindo analogamente a política defendida por este partido em relação
às comemorações do 1º de maio algumas décadas antes, ou seja, fazer
manifestações após o expediente, no caso da mulher, no domingo, para evitar um
confronto aberto com a burguesia numa situação onde consideravam que não havia
condições para impor uma derrota ao governo, particularmente na Alemanha.
Participaram da conferência cerca de 100 mulheres representando 17 países,
incluindo as três primeiras mulheres socialistas eleitas para o parlamento
finlandês. Como plataforma para a organização das manifestações do dia
internacional da mulher foi aprovada a luta pelo direito de voto feminino, o
sufrágio universal e o seguro-maternidade para todas as mulheres casadas com
filhos, em oposição a uma proposta de que o benefício fosse concedido
independentemente do estado civil da mãe, proposta defendida pelas russas
representadas por Alexandra Kollontai.
Mobilizações de massa.
Em 1911 a 1º comemoração do Dia Internacional da Mulher, organizada pelo secretariado
feminino da II internacional, ocorreu no dia 19 de março na Alemanha,
Dinamarca, Austria, Suíça, EUA e vários outros países europeus, sendo realizado
nesta data em homenagem à revolução de 1848 na Alemanha, onde foi conseguido o
direito de voto feminino, revogado posteriormente pela derrota da revolução.
Aegundo a revolucionária russa Alexandra Kollontai este primeiro “dia
internacional das mulher excedeu todas as expectativas. (… ) “a Alemanha e a Austria
eram um mar ondulante de mulheres. Reuniões eram organizadas em todos os
lugares. (…) “nas pequenas cidades, até mesmo nas aldeias, os salões estavam
tão cheios que havia pedidos para os trabalhadores homens cederem seus lugares
para as mulheres. Os homens ficaram em casa com as crianças para variar, e suas
esposas, as escravizadas donas-de-casa, foram às reuniões. Durante as maiores
manifestações de rua, nas quais tomavam parte 30 mil pessoas, a polícia decidiu
remover as faixas dos manifestantes: as trabalhadoras se opuseram. Na luta que
se seguiu, o derramamento de sangue foi evitado apenas com a ajuda dos
deputados socialistas no parlamento”.
A manifestação reuniu 1 milhão de mulheres em todo o mundo, caracterizando-se
como a erupção de uma gigantesco movimento de massas, reivindicando o direito
de voto, o de ocupar cargos públicos, direito ao trabalho, treinamento
profissional, fim da discriminação nos locais de trabalho etc.
Uma semana depois da manifestação, no dia 25 de março, o já mencionado incêndio
na empresa Triangle, em Nova Iorque, matou 140 operárias têxteis, em função das
péssimas condições de trabalho que vigorava em todas as fábricas, causando uma
grande comoção entre um movimento de mulheres massivo e radicalizado com a
terrível confirmação das denúncias feitas dias anteriores.
Esta tragédia marcou de forma indelével o Dia Internacional da Mulher como um
símbolo da situação de exploração das mulheres e do acerto das denúncias e
reivindicações feitas pelas mulheres socialistas dos principais países do
mundo.
Uma conquista da revolução russa
O Dia Internacional da Mulher vai se estabelecer definitivamente no 8 de março
com a vitória da revolução na Rússia. Não por coincidência, foi a manifestação
convocada pelas operárias ligadas ao socialismo russo, o estopim da revolução de
fevereiro de 1917, ao se transformar em um greve geral na enorme concentração
operária do bairro Viborg em São Petersburgo, principal cidade industrial do
país.
Com a vitória da ditadura do proletariado, o governo soviético transformou a
data em feriado comunista, procurando impulsionar a luta internacional das
mulheres, não apenas por que foram elas as iniciadoras da revolução mas porque
são a camada mais explorada da classe operária constituindo potencialmente um
vasto movimento revolucionário e, segundo Lênin, sem elas “não haveríamos
vencido, ou haveríamos vencido a duras penas”.
A revolução que começou no dia 8 de março através do protesto das mulheres,
diante das filas de racionamento de pão provocadas pela miséria vinda com
a I Guerra Mundial. a partir daí o
movimento se estendeu para as fábricas e quartéis derrubando a monarquia
secular que governava a Rússia, esta revolução viria a ser também a maior
conquista que as mulheres de todo o mundo jamais obtiveram em toda a história
da humanidade na luta pela sua libertação.
A vitória da revolução trará uma série de mudanças fundamentais na situação da
mulher soviética, lutando contra a estrutura de total submetimento representada
pela cultura semi-asiática do país e pelo atraso econômico representado pela
maioria camponesa e pelo subdesenvolvimento urbano. as primeiras medidas
adotadas pelo governo revolucionário foram o direito integral ao divórcio a
partir do pedido de qualquer dos cônjuges, superando no início do século as
legislações vigentes em todo o mundo ainda hoje, as quais forçam o convívio
entre pessoas apesar do laço afetivo e consentimento mútuo não existir mais. No
Brasil, como na maior parte do mundo, o divórcio é uma autorização que depende
de decisão judicial, após um período de separação de fato, e não um direito
inquestionável da pessoa, na medida em que se refere a uma decisão absolutamente
particular dos casais.
No caso do aborto o governo revolucionário garantiu o direito integral à sua
realização, inclusive através da rede pública de saúde, gratuitamente, em todo
o país, atendendo uma das reivindicações mais importantes para as mulheres: o
fim da gravidez indesejada, uma violência contra a mulher, uma vez que o estado
intervém repressivamente na vida íntima das mulheres obrigando-as a tomarem uma
decisão contra a sua vontade, e que no caso da maior parte das mulheres
significa o abando do trabalho, do estudo, e o reforço da exploração e
embrutecimento proveniente do trabalho doméstico e da dependência do marido. Em
1917, o governo de Lênin e Trostki já derrubava totalmente a distinção entre os
filhos nascidos de uma união legal e os filhos “ilegítimos”.
Outra das grandes conquistas trazidas pela revolução foi a total igualdade
jurídica entre os homens e mulheres, com direitos políticos integrais, o
incentivo à sua elevação cultural, a proibição da discriminação sexual, numa
época em que as mulheres eram consideradas juridicamente incapazes, como no Brasil,
onde o código civil até poucas décadas atrás considerava o homem como chefe de
família, e, somente na sua ausência, a mulher poderia tomar decisões de forma
independente.
A política do governo bolchevique em defesa da mulher, igualando-a
juridicamente ao homem e atendendo reivindicações fundamentais, ganhou adeptas
no mundo todo estimulando o movimento de mulheres de uma forma nunca vista
antes, uma vez que era a expressão do interesse de milhares de mulheres que
entravam em massa no mercado de trabalho, tornando-se politicamente a
referência mundial de luta pelos direitos da mulher.
Posteriormente, com a vitória da burocracia stalinista contra-revolucionária na
União Soviética a legislação a favor da mulher vai ser paulatinamente revogada,
retirando-se o direito ao aborto, impondo restrições ao divórcio, retirando
conquistas da mulher e comprovando a idéia de que a opressão da mulher nada
mais é um aspecto da política contra-revolucionária da burguesia mundial, da
qual a burocracia stalinista foi nada mais e nada menos que um agente no interior
do estado operário.
Uma adaptação do Imperialismo
Os EUA até o final dos anos 60 se opunham, a que fosse comemorado o Dia
Internacional da Mulher, pelo seu caráter revolucionário o que se acentuou no
marco da política de luta mortal contra a revolução mundial através da guerra
fria. Será o ascenso revolucionário que percorreu o mundo em 68 vai trazer
novamente as comemorações do 8 de março para o terreno das manifestações de
massa fazendo surgir no mundo inteiro amplos movimentos de libertação da
mulher, bem como teorias feministas de caráter pequeno-burguês que evoluíam no
vazio deixado pela crise de direção histórica da classe operária.
Com o mundo convulsionado pelas mobilizações políticas do final dos anos 60 e
na década de 70 o imperialismo vai mudar de política, adotando a democracia
como política de controle e estrangulamento das tendências revolucionárias
presentes na situação política mundial, política esta simbolizada pela política
de “direitos humanos” do presidente norte-americano Jimmy Carter.
A decretação pela ONU, do ano de 1975, como ano
Internacional da Mulher vai corresponder a esta mudança de política, a qual
significa que o imperialismo apoiará demagogicamente – uma vez que nada é feito
de fato – algumas reivindicações populares, para romper o isolamento em que as
mobilizações colocaram a direita anticomunista, promovendo uma nova roupagem
para a mesma política de ataque às mulheres e aos explorados. Esta política
será possível, também, devido ao declínio dos movimentos de mulheres da década
de 60 e 70, agora dominados pelas personalidades burguesas, pela cooptação
governamental e pela política democratizante do imperialismo.
A década de 1975 a 1985 será considerada pela ONU a década da mulher e será
organizada a 1º conferência mundial da mulher no México.
Em 1977 a UNESCO declarará oficialmente
o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher e nos anos de 1980, 1985 e 1995
serão organizadas respectivamente as conferências mundiais da mulher em
Copenhague, Nairóbi e Pequim.
Estas iniciativas serviram para tentar apagar a história dos verdadeiros
movimentos de defesa da mulher, os socialistas e a revolução Russa, ao mesmo
tempo em que reciclou a imagem repressiva e reacionária da burguesia
imperialista para conseguir submeter a mulher a uma situação de exploração (com
a revogação das suas conquistas sociais históricas) de submetimento aos homens,
à legislação reacionária, à ideologia da mulher como instrumento.
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